sábado, 8 de março de 2008

Equador x Colômbia: O verdadeiro motivo do conflito

O que sobressai do atual conflito entre o Equador e a Venezuela, de um lado, e a Colômbia de outro, mais do que uma questão de violação de soberania é o seu caráter ideológico.

Enquanto Rafael Correa e Hugo Chávez imprimem a seus governos um rumo cada vez mais à esquerda – no que são apoiados discretamente pela Rússia de Putin e ostensivamente por Cuba e pelo Irã –, o colombiano Álvaro Uribe chefia um governo de centro-direita, apoiado pelos Estados Unidos e, em alguma medida, por países europeus.

No espectro latino-americano há ainda, alinhados ao bloco da Venezuela e do Equador – do qual Cuba é a tintura-mãe –, países como a Bolívia e a Nicarágua. São os da marcha rápida, que não ocultam sua meta. E outros que, sem pertencerem àquele bloco, são governados por esquerdistas que o criticam em um ou outro ponto secundário, mas que mantêm em relação a ele uma atitude de simpatia e colaboração.

Os governos destes últimos não podem, por injunções de opinião pública, levar a esquerdização em seus respectivos países além de certo ponto. Isso os obriga a caminhar com cautela, sem revelar a meta: “Marchons à petits pas, ne faisons point de bruit; écoutons, parlons bas” (Andemos devagar, sem fazer barulho; escutemos, falemos baixo). Estão neste caso a Argentina, o Brasil, o Chile e o Uruguai.

Por aí torna-se fácil aquilatar a dimensão do desafio do governo de Álvaro Uribe, ao ter que se defrontar simultaneamente com dois adversários com laços recíprocos: o interno (as guerrilhas) e o externo (o bloco de esquerda chamado bolivariano, seus aderentes e simpatizantes).

Apoiado moralmente pela esmagadora maioria da opinião pública colombiana e logisticamente pelos Estados Unidos, o governo Uribe decidiu enfrentar de viseira erguida o desafio.

Para isso ele encetou caminho oposto ao trilhado pelos seus antecessores. Estes vinham fazendo contínuas concessões à narco- guerrilha, a ponto de lhe destinar um “santuário” do tamanho do Estado do Rio de Janeiro, onde o exército simplesmente estava impedido de entrar! O presidente Uribe, pelo contrário, assumiu em relação a ela uma política de “tolerância zero”.

Adotou esta política por considerá-la a única resposta adequada aos grupos marxistas-leninistas que há 40 anos ensangüentam a vida pública e os lares colombianos. De sua sanha assassina não escapou praticamente uma só família, num país de mais de 40 milhões de habitantes: seja por seqüestro, seja por morte, seja por seqüestro seguido de morte; sem falar das volumosas extorsões financeiras, das migrações e emigrações.

E Álvaro Uribe não se equivocou. Com tal política, seu governo vem obtendo êxitos notáveis. Não só ao reduzir praticamente à extinção o ELN, como também ao vir tangendo cada vez mais as FARC rumo à mesma direção. Prova disso é que os guerrilheiros agora mortos julgavam-se abrigados do outro lado da fronteira, em território equatoriano, de onde inclusive telefonavam para Hugo Chávez e outros supporters.

Essas guerrilhas, além de grandes disseminadoras de drogas para o mundo inteiro, têm a declarada intenção de transformar a Colômbia numa república socialista. É compreensível, pois, que um golpe mortal desferido contra elas doa especialmente naqueles que compartem os seus objetivos.

Foi o que aconteceu com Hugo Chávez e Rafael Correa, do hard core do referido bloco e pregoeiros do “socialismo do século XXI”: a notícia da morte do farcista Raúl Reyes e de seus comparsas – quanto mais tendo ocorrido no quintal de um deles – caiu como um raio, fazendo-os como que sentir na própria pele os efeitos letais dos artefatos lançados pela Força Aérea colombiana contra os narco-terroristas.

Fazendo coro com a Venezuela, a Nicarágua e a Argentina, o Brasil – que se nega a reconhecer as FARC como terroristas –, endossou o pedido do Equador à OEA, de uma “condenação hemisférica” da Colômbia. Antes, nosso governo já havia declarado “muito grave” a atitude colombiana. Mais circunspeta foi a OEA. Em sua resolução, ela reiterou tão-só o princípio da inviolabilidade do território, evitando impor à Colômbia qualquer sanção. Seria aliás decepcionante imaginar o contrário, uma vez que Chávez já violou a soberania de diversos países ao intervir na política interna destes em momentos delicados e nunca foi punido.

Embora qualquer violação de soberania seja muito grave, nosso governo simplesmente afirmou o princípio, sem descer à consideração das circunstâncias concretas que cercaram a ação colombiana. E nisso foi incoerente. Pois assim como a soberania de um país deve ser respeitada, também pelo mesmo princípio deve ser respeitado o direito de propriedade no interior de cada país, uma vez que o proprietário legítimo é soberano no âmbito do que lhe pertence.

Mas como o governo Lula restringe o direito de propriedade em nome de uma distorcida “função social”, e permite que hordas invasoras do MST o violem a seu bel-prazer, seria então o caso de perguntar: que maior “função social” poderia haver, no caso que nos ocupa, do que tirar de circulação alguns malfeitores que faziam o pior dos males a mais de 40 milhões de pessoas? Os direitos da maioria não devem, também aqui, prevalecer sobre os de uma minoria?

Compreendeu-o bem a OEA com bom senso e equilíbrio, ao reconhecer no fundo que a arremetida colombiana se justificava à vista de uma importante “função social”. No que foi confirmada pela reunião dos Chefes de Estado latino-americanos, realizada pouco depois na República Dominicana, na qual a Colômbia entrou com coragem e saiu com honra.

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